terça-feira, 20 de junho de 2017

Resenha - Um outro país para AZZI


  • Texto e ilustrações: Sarah Garland
  • Tradução: Érico Assis
  • Editora: Pulo do Gato


Um outro país para AZZI teve sua relevância reconhecida pelo Prêmio Little Rebels Children´s Award 2013. Premiação criada em 2010 no Reino Unido, com o objetivo de valorizar a  ficção infantil ( leitores de 0 a 12 anos), aquela que possibilita o diálogo sobre a necessidade de promover a igualdade social, levanta questionamentos sobre os vários tipos de discriminação, enfim, toda a ficção que desafia os estereótipos.

Além disso, o livro foi aprovado pela AMNESTY International (Anistia Internacional), um movimento global integrado por pessoas voluntárias em sua maioria, que trabalham para que os direitos humanos sejam respeitados em todo o mundo, ou seja, podem proteger as pessoas em seu país ou quando estão refugiadas em outras nações.




A obra é necessária ao tratarmos de assuntos como refugiados, busca por melhores condições de vida em um outro país, direitos das crianças, diferença entre imigração e refúgio, enfrentamento de perdas e adaptação à uma nova realidade.










Vamos à história da menina AZZI, a qual pode ser a de muitas crianças pelo mundo:

Tudo começa em um país em guerra. Pelas ilustrações delimitamos a origem de AZZI, provavelmente, morava em um país do Oriente Médio. O que a autora confirma no final do livro.

Aos poucos, a guerra se aproximava mais um pouquinho da casa de AZZI, embora a rotina continuasse a mesma: seu pai ainda era médico, "sua mãe fazia belas roupas", "sua avó  tecia cobertores quentinhos",  a avó levava AZZI  ao colégio, seus amigos ainda iam a sua casa para brincar (...) 

Cada vez mais próxima,  a guerra fazia barulho de metralhadora que assustava as galinhas, e era possível ver soldados por cima do muro do jardim.

Inevitavelmente, a rotina é modificada e a família  é obrigada  a deixar tudo para trás, em busca de um lugar seguro. 

À partir daquele momento, a vida de AZZI mudou para sempre. Separou-se da avó, enfrentou a viagem longa, fria e sem comida. 

Chegando em um novo país, teve de lidar com o processo de adaptação à uma nova cultura (aprender uma nova língua, novos costumes  e fazer novos amigos), tudo isso, observando e sofrendo junto com os pais.




Felizmente, a história não acaba assim, Azzi e sua família vivem momentos de encontros, afinal, deve ser o sonho de qualquer pessoa que passa por grandes mudanças, encontrar algo que lembre suas origens, que a faça pensar que todo o sofrimento valeu a pena e que a vida se renovou.

Como foi que Azzi e sua família teve esse encontro com suas origens?
Para leitura não perder a graça da surpresa, só posso dizer que teve feijões e  um projeto realizado na escola nova.
Desde o inicio, o ambiente escolar se mostrou um grande desafio para Azzi, pois é lá que enfrenta as dificuldades de aprender novas palavras e lidar com as diferenças e sensação de ser um peixe fora 
d´água, mas é nesse mesmo ambiente que realiza um projeto muito significativo para sua família.

É aqui que os feijões entram, eles representam uma vida nova e feliz, mesmo em um país estranho. Feijões com sabor de familiaridade, renovação e esperanças de melhorias. Feijões mágicos, talvez.


                       

"Agora você está feliz, Papai?", perguntou Azzi.
"Você me deixa feliz, Azzi", ele disse.
"Que tal feijões para o jantar?", perguntou a mamãe.
"Vida nova, feijões novos", comentou Vovó, pegando a panela.
  E Bobó sorriu, como sempre sorria.

Sim, como podemos notar no diálogo, a Vovó de Azzi pode juntar-se a família na nova casa.

É uma obra que nos permite enxergar pelo olhar de uma menina por volta dos 9 ou 10 anos, as consequências de uma guerra para quem é obrigado a abandonar tudo e recomeçar. 
Exatamente hoje, 20 de junho, é a data  oficial de refletirmos sobre a situação das pessoas que são obrigadas a se deslocarem de seus países de origem. Segundo dados do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), o número de refugiados no mundo atingiu quase 66 milhões de pessoas no ano de 2016, por causa de conflitos locais, guerra e fome. É a maior crise humanitária já registrada desde a fundação da ONU, em 1945.

É devido a importância do assunto na atualidade que a Editora Pulo do Gato nos possibilitou conhecer o livro Um Outro país para AZZI, com a tradução e um trabalho gráfico belíssimo. Não poderia ser diferente, a obra termina com uma dedicatória da Editora Pulo do Gato aos refugiados e vítimas de guerra.


Outro detalhe importante, a obra faz parte do Acervo Leituraço, projeto que leva às Salas de Leitura da Prefeitura de São Paulo, livros com diversas temáticas ligadas à diversidade, garantindo que a discussão  sobre o assunto chegue a um número maior de leitores.


sábado, 27 de maio de 2017

Resenha - Para onde vamos





  • Autor: Jairo Buitrago
  • Ilustrações: Rafael Yockteng
  • Tradução: Márcia Leite
  • Editora: Pulo do Gato
Assim que recebemos o pacote, fomos abri-lo. A expectativa foi grande e para registra-la fizemos nosso primeiro vídeo de "unboxing". Confira o vídeo na página:https://www.facebook.com/www.leituraseleiturinhas/
O pequeno leitor aqui de casa achou impressionante  encontrar  os marcadores que vieram junto com o livro.
É pelos olhos dessa garotinha que o leitor toma conhecimento de uma  viagem cheia de imaginação.
Logo no inicio, ela nos conta o que gosta de fazer enquanto viaja com o pai.


Pelo caminho,  ela gosta de contar tudo o que vê:  pessoas, pássaros, estrelas, crianças, soldados...


As nuvens são uma diversão à  parte,  nelas observa os desenhos de cisnes, árvores e  coelhos...


A viagem é  longa, passam dias e noites e ninguém nunca responde a pergunta que ela faz:
_ Para onde estamos indo?

As ilustrações permitem ao leitor ir além do texto verbal, por elas é possível  contar quantos meios de transportes eles utilizaram durante a jornada: balsa, trem, carro, camionete... Não viajam sozinhos, avistamos uma fronteira e deduzimos o que estão fazendo e para onde estão indo. Não é uma viagem à passeio, nem confortável. A figura de um coiote faz alusão às pessoas que ajudam no transporte para o outro lado da fronteira em condições precárias e ilegalmente.
     

Às  vezes, param em algum lugar à beira da estrada  e o pai precisa conseguir trabalho para ganhar algum dinheiro para seguirem viagem novamente.
                                   
                              
É nesse momento que dependem da ajuda de outras pessoas para  fazerem companhia a pequena narradora. E ela, continua observando, contando e brincando.


          

Toda viagem nos deixa algo, seja bom ou ruim, é o que podemos notar na brincadeira do trem que transporta pessoas. São suas vivências representadas nas brincadeiras.

Ela conta e brinca. O que mais poderia fazer?  

             

E a viagem recomeça... 

A pergunta é a mesma:
_ Para onde vamos  agora?
A diferença é que agora ela tem outras companhias além do pai, dois coelhos brancos.

O livro não acaba por aí, as ilustrações finais podem nos dizer muito mais. 
O que será que dois coelhos brancos podem significar?
Será que eles ficam presos na caixa, durante a viagem?
Será que nossos viajantes conseguem atravessar a fronteira?

É o tipo de leitura que nos conta muito por meio das entrelinhas e por meio das ilustrações, capaz de suscitar certos questionamentos: Será que estão fugindo? Será que estão atravessando a fronteira em busca de melhores condições de vida, um trabalho, uma escola? Será que não conseguem viver em seu próprio país? Será que tiveram a casa destruída por conta de uma guerra? Por que estão enfrentando tantos perigos?

O livro nos remete a outras leituras com  temáticas semelhantes, por isso quem gostou da premissa de Para onde vamos, também irá gostar de:

  • Eloisa e os bichos, o qual suscita questões sociais relacionadas à imigração. 
  • Um outro país para Azzi, que junto com sua família parte para outro país onde vive em condição de refugiada em processo de adaptação.
  • As cruzadas das crianças, que nos conta a jornada de um grupo de crianças órfãs. Fugindo dos horrores provocados pela Segunda Guerra Mundial,  buscam um lugar seguro.
                    
São  livros que possibilitam leituras sobre outras culturas, aproximam universos que parecem distantes,  o leitor entende os problemas que outras crianças enfrentam, colocam-se no lugar delas e aprendem a respeitá-las.
É uma grande contribuição para construção  de um olhar empático que buscamos desenvolver nos nossos leitores.



                                                 
Todos da Editora Pulo do Gato. Logo farei uma resenha dos três.



domingo, 30 de abril de 2017

A bicicleta que tinha bigodes- Ondijak


(...) a bicicleta do meu sonho era bem grande  zunia muito, amarela nas rodas, o quadro e o volante eram vermelhos e os para-lamas assim pretos, só que à frente, um pouco abaixo da zona do volante, ninguém ainda tinha visto: a bicicleta tinha uns bigodes iguais aos do tio Rui...


Este livro é um exemplo de solidariedade e empatia. A narrativa é em torno de um concurso literário promovido pela Rádio Nacional de Angola, em que o vencedor leva para casa uma bicicleta, basta escrever a melhor história. Para a sorte do nosso personagem narrador, ali no bairro mora um escritor que tinha muitas ideias para criar belas histórias, tantas que sobravam algumas que caiam pelo seu bigode e eram guardadas em uma caixa mágica.

A ideia era simples, pegar a caixa, usar algumas palavras, enfeitá-las e assim criar a história  vencedora.
Nosso narrador, que não tem nome, sonhava em ganhar uma  bicicleta colorida e de bigodes parecidos com o bigode do contador de histórias da rua, mas não seria só dele, emprestaria aos amigos Isaura e JorgeTemCalma sem cobrar nada em troca.

É uma narrativa permeada de referências à infância: fantasias, descobertas, amigos, brincadeiras e contação de história. Além disso, o leitor fica sabendo da instabilidade política de Angola, da prisão de Nelson Mandela na África do Sul e das condições precárias da população ( falta d'água, racionamento  de energia e até de comida) por meio do olhar de uma criança.

As ações acontecem em 2 ou 3 dias, em que as noites são fundamentais, pois é quando tudo acontece, percebemos isso logo no início do livro em que o autor nos diz tratar-se de "estórias sem luz elétrica".
A falta de energia elétrica permitia os encontros das crianças e adultos. Enquanto as crianças brincavam, realizavam planos mirabolantes na rua, os adultos conversavam, já que não podiam assistir a novela, pelas referências, na época assistiam Roque Santeiro (novela brasileira veiculada em Angola).

As personagens são bem características:


  • o narrador que mesmo não tendo nome, identificamos um menino com muita imaginação e solidário  que busca realizar seus sonhos, no início, de maneira desonesta, dentro da ideia que os fins justificam os meios, mas que no final, decide ser o mais honesto possível e é bem empático em relação às crianças, não só do bairro, mas do país.
  • A menina Isaura, que amava os bichos seja gato, cachorro, lesma, vaga-lumes  ou sapo. Dava-lhes nomes inusitados de personalidades históricas.
  • O JorgeTemCalma, não tinha calma nenhuma, sempre com o pensamento atropelado pela fala que saia com muita pressa e viviam dizendo: "Jorge tenha Calma!"
  • A avó do nosso personagem chama-se AvóDezanove, senhora bondosa e sempre repetindo sua rotina, mesmo sem ter água, todos os dias ensaiava dar água às plantas. Não ficamos sabendo o porquê ela é conhecida por esse nome, mas se seguir a lógica do senhor chamado Motorista nove, que logo no início muda de nome para Motorista Dez, faz todo o sentido, quem sabe ela seja conhecida assim por ter 19 netos. ( só imaginação de leitor);
  • O amigo simpático e sempre com pressa, tio Rui ( escritor/ contador de histórias);
  • O Camaradamudo- senhor que fala pouco, mas tudo vê,  pois sempre está sentado em um banco na esquina da rua;
  • O Generaldorminhoco - aquele que dorme muito e é o privilegiado da rua, pois possui até gerador para os momentos de corte de energia elétrica.

O livro lembra outros livros do autor, Bom dia camaradas, obra permeada  de alusões ao período angolano pós guerra, ainda em meio ao caos e reconstrução. O leitor também fica sabendo de problemas políticos e sociais por meio do olhar de uma criança que narra seu dia- a- dia.

E  Uma escuridão Bonita,  em que a falta de luz elétrica dá  um sentido à história, assim como em A bicicleta que tinha bigodes, também vem com o subtítulo "estórias sem luz elétrica"e os acontecimentos são descritos de forma que a escuridão fique bonita, saudosa e poética.

São três obras em que podemos notar o lirismo em prosa, crianças como personagens e a ideia de que a narrativa  é composta por lembranças da infância do próprio autor.

Voltando ao Concurso Cultural da Rádio Nacional de Angola
E nosso menino narrador ???
Será que ele consegue escrever uma história  tão boa que mereça ganhar a sonhada bicicleta que tinha bigodes?
O final do livro revela as boas intenções do narrador que buscava uma história vencedora, que não posso contar, mas adianto que a leitura nos faz sentir que viver histórias, talvez seja até mais importante do que o prêmio que ele tanto desejava ou mais importante do que saber contá-las.



A Bicicleta que tinha bigodes – Ondjaki

Editora Pallas
Ano: 2012 / Páginas: 96 - Literatura infantojuvenil angolana